Pretendo tratar neste artigo sobre assuntos que vez ou outra são mencionados aqui nos posts do blog, só que desta vez de forma mais apro...
Pretendo tratar neste artigo sobre assuntos que vez ou outra são mencionados aqui nos posts do blog, só que desta vez de forma mais aprofundada: o relativismo cultural, valores universais e ciência. Por conta do conceito de relativismo cultural, que é a moda acadêmica da vez, em casamento com a tendência pós-moderna de apatia e negação de conceitos e valores universais (representando isto a morte da ciência como tal) as sociedades ocidentais tendem a aceitar certas atitudes e práticas que normalmente condenariam, em nome do respeito às diferenças culturais. Eu pretendo argumentar que a ciência é capaz de julgar valores universais de certo e errado, baseado nos Direitos Humanos, sem ferir ou desrespeitar a diversidade cultural.
O conceito de relativismo nasceu no início do século XX e se propagou no seio da Antropologia Cultural nas décadas seguintes, apregoado primeiramente por Franz Boas e depois disseminado por seus alunos. De maneira geral, defende que valores como "bem” ou “mal”, “certo” ou “errado”, entre outros, devam ser compreendidos somente dentro daquele determinado grupo estudado. Ou seja, podemos não concordar com eles, mas devemos entender que cada grupo social possui a sua própria noção de certo ou errado, que que a nossa não é melhor só porque é a nossa. Esta postura voltou à tona nos últimos anos com a ascensão do paradigma pós-moderno na Academia, que apregoa a fragmentação do conhecimento, a negação de explicações universais, proporcionando um casamento perfeito com o chamado multiculturalismo.
Mas será que realmente não existem valores universais? Será que devemos conceber como normais e aceitáveis práticas como enterrar viva uma criança porque por um acaso esta nasceu do sexo feminino? Ou que jovens tenham seus seios queimados pelas mães, como foi denunciado aqui neste blog? Ou ainda, que uma jovem vítima de estupro seja morta pelos próprios pais por vergonha? Que tenham seus clitóris mutilados? Repito, será que não existe uma noção universal de certo ou errado?
Sam Harris, filósofo estadunidense, afirma que sim. Para ele, ao contrário do que muitos afirmam, a ciência deve examinar questões morais como bem ou mal, certo ou errado, porque a ciência lida com fatos, e valores morais são “fatos sobre bem estar de criaturas conscientes”, portanto, passíveis de análise por ciências tais como a psicologia ou a neurociência. Ele cita um exemplo que acontece nos Estados Unidos. Naquele país, em 21 Estados é permitido a punição física do professor nos alunos. A seguir, ele pergunta: “É uma boa idéia, generalizando, submeter crianças à dor, violência e humilhação públicas como forma de encorajar um desenvolvimento emocional saudável e bom comportamento? Existe a menor dúvida que esta questão possui uma resposta, e que ela é importante?”
Poderiam chamá-lo de “etnocentrista” ou “imperialista cultural”, acusações comuns dos relativistas. Mas Harris, primeiro, como ficou claro no exemplo acima, afirma que a sua própria civilização ocidental não é exemplo de sucesso cultural, defendendo um meio-termo entre a nossa sociedade e aquelas que praticam tais atos de barbaridade. Segundo, ele diz que podem existir caminhos equivalentes para diferentes sociedades alcançarem a prosperidade e o bem-estar, mas que isso não impede de que haja uma “moralidade objetiva”. Ou seja, o fato de existirem muitas formas de organizar as sociedades não significa que todas são moralmente aceitáveis.
Os mais espertos já devem ter notado que as maiores vítimas dos excessos e excentricidades da cultura são as mulheres. Os relativistas afirmam que muitas mulheres vestem a burca e a defendem publicamente, afirmando que a usam voluntariamente. Mas devemos tomar cuidado ao levar em conta o que dizem. Uma coisa é você querer usar um tipo de roupa e ter liberdade para isso; outra coisa é você saber que se não usar, será chicoteada ou será desfigurada com ácido no rosto como punição.
Eu respeito e admiro as culturas diferentes. Todas elas fazem parte da diversidade e do patrimônio cultural da humanidade. O problema é que as pessoas, de modo geral, desde o advento do relativismo cultural, passaram a pensar que respeitar as culturas diferentes é não emitir opiniões sobre aquilo que fere o bom-senso ou os Direitos Humanos, pois isso seria “enxergar o mundo com nossas lentes de preconceito cultural”. Esse tipo de postura nega de que possa haver uma moral humana universal que a ciência possa estudá-la e emitir sentenças sobre ela. Eu espero que tenha ficado claro neste post que minha visão é totalmente diferente. Para mim, existem certas práticas humanas que são condenáveis aqui, em Singapura, em Senegal, na França, na Groelândia, em qualquer lugar do mundo. E que condená-las não representa etnocentrismo ou imperialismo cultural. É um dever humanista.
Fontes