Última parte do trabalho de pesquisa sobre Olympio Mourão Filho que vem sendo publicado aqui no blog em séries de capítulos. Neste capítulo...
Última parte do trabalho de pesquisa sobre Olympio Mourão Filho que vem sendo publicado aqui no blog em séries de capítulos. Neste capítulo final vamos compreender as razões alegadas por Olympio Mourão Filho em seu livro de memórias para mudar drasticamente de opinião política. Se em 1961 ele se dizia constitucionalista, ficando ao lado de Leonel Brizola na Campanha pela Legalidade, em 1964 foi um dos responsáveis diretos pela derrubada do legítimo presidente da República, João Goulart. Entenda como se deu esta virada.
Mourão tinha receio que um sistema presidencialista e o voto dos eleitores brasileiros, influenciado por uma classe política manipuladora, pudessem produzir um novo Jango no futuro, obrigando os militares a nova intervenção na política. A respeito dessa suposta incapacidade do eleitorado brasileiro de escolher seus representantes e de insistentes intervenções militares na política, Thomas Skidmore afirma que:
“Os radicais anti-jango tinham uma conhecida reserva de doutrinas anti-democráticas as quais recorrer. Como haviam alegado em 1950 e 1955, pretendiam que não se podia confiar no eleitorado brasileiro. Somente sob uma cuidadosa tutela, poderia o povo ser impedido de cair nas malhas de políticos ‘demagógicos’”.[1]
Este tipo de argumento serviu de base para justificar a ingerência militar nos assuntos da política brasileira durante o século XX, especialmente quando da renúncia de Jânio Quadros. Mourão Filho, defensor da legalidade como dizia ser, considerava que Denys tinha a intenção de aplicar um golpe e uma ditadura no país já em 1961 e se colocou ao lado dos legalistas. O conflito ideológico que ameaçava irromper no interior do Exército, porém, foi amenizado com a votação pelo Congresso Nacional da Emenda nº 4 em 2 de setembro de 1961, instituindo no Brasil o sistema parlamentarista, que acalmou o ânimo dos ministros militares.
A paz, entretanto, não iria durar muito. Foi perturbada por um evento que se deu em Santa Maria-RS, onde Olympio servia, e que foi relatado em seu diário. Segundo ele, o fato que presenciou o faria “abrir os olhos” para o que acreditava ser um golpe de Estado que estaria nascendo no Rio Grande do Sul, Estado governado pelo cunhado de Goulart, Leonel de Moura Brizola, e o conduziria a mudar definitivamente sua postura, de legalista para o de conspirador implacável contra o governo João Goulart.
Em 1961, Olympio Mourão Filho fora nomeado comandante da 3ª R.I, em Santa Maria-RS, quando o comandante do III Exército, Penha Brasil, solicitou que ele alojasse sócios da FARSUL (Federação das Associações Rurais do Rio Grande do Sul), que estavam na cidade em virtude de uma convenção para protestar contra a atuação do governador Brizola, que segundo eles, incentivava a invasão de suas estâncias pelos sem-terras. Leonel Brizola estava a caminho de Santa Maria e Mourão, que até então tinha uma relação de respeito pelo governador, fora recebê-lo no aeroporto. Brizola vinha, “sem convite, ao que parece, tomar parte na convenção que se realizaria naquela noite”.[2] Osvino Ferreira Alves, comandante do I Exército, do Rio de Janeiro, encontrava-se de férias em Santa Maria. No jantar que ele ofereceu nesta cidade a Leonel Brizola, Mourão fora o único outro convidado. Este evento marca o início da virada de postura de Olympio Mourão Filho com relação ao governo de João Goulart e o levaria a “conspirar” — termo de acordo com sua própria definição — contra o suposto golpe. De acordo com seu relato,
“Durante as conversas que precederam o jantar, naturalmente devido à minha posição em 1961, em defesa da Constituição vigente — defesa confundida, porque a causa era a mesma, com apoio de Goulart — não mantiveram reservas”.
“Do que ouvi, fiquei cientificado, sem sombra de dúvida, de que estava diante de vasta e perigosa conspiração contra o regime.”[3]
Jango e seu cunhado, Leonel Brizola
O comandante do I Exército, Osvino Ferreira, juntamente com o governador Leonel Brizola, de acordo com o relato de Mourão, teriam se confundido, ao acreditarem que o comandante da 3ª R.I de Santa Maria era um correligionário, pertencente ao seu lado político, por ter lutado a favor da posse de Goulart em 1961. Entretanto, ao contrário de Brizola, Mourão não era um partidário das idéias trabalhistas, mas apenas um mero “defensor da Constituição”. Ao defender abertamente perante Olympio Mourão, no jantar reservado, pontos tão polêmicos quanto: a) campanha intensa pelo plebiscito para a volta ao presidencialismo; b) campanha intensa para a obtenção das reformas de base, das quais a principal é a Reforma Agrária que será possível com a reforma do parágrafo 16 do artigo 141 da Constituição, permitindo o pagamento das desapropriações à base de títulos da dívida da União; e c) elegibilidade dos Sargentos e soldados e a extensão do voto aos soldados e aos analfabetos[4], Brizola e Osvino Ferreira estariam cometendo um grave erro estratégico. Após a convenção dos sócios da FARSUL, Olympio Mourão Filho havia tomado uma importante decisão:
“Retirei-me da mesa dos debates e fui para casa dormir, absolutamente disposto a começar uma contraconspiração para impedir que uns loucos furiosos transformassem este país numa fogueira. Eu ia dormir, mas estava acordado desde aquele momento. Não parei mais de trabalhar contra eles. Não recuarei. Eles me terão pela frente”.
“Nada tenho contra João Goulart. Acho-o até um bom homem e simpático. Mas ele não porá fogo no Brasil”.[5]
Podemos, desta forma, assinalar que aqui começa a nascer o golpe militar que Olympio Mourão Filho levaria a cabo durante os próximos meses, conspirando em todos os Estados por que passou a serviço militar — Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo e por fim, Minas Gerais — buscando apoio em setores como a burguesia industrial e as Forças Armadas, alertando sobre o suposto “golpe definitivo para a instalação da república sindicalista do Sr. Brizola”. [6] Em 31 de março de 64 suas tropas saem de Juiz de Fora e chegam ao Rio, ato simbolicamente considerado como o início do Golpe. O que Mourão não podia saber era que sua conspiração apenas fazia parte de um processo ainda maior, onde setores empresariais, sediados no IPES e no IBAD, junto com a mídia conservadora e militares americanófilos da ESG controlavam passo a passo seus movimentos. Suas tropas que invadiram o Rio de Janeiro cumpriram um papel, mas logo a “revolução” passaria a outras mãos, que tratariam de impor a política mais de acordo com o grupo acima citado. Mourão morreu arrependido e desiludido – não por ter derrubado um legítimo presidente, mas sim por ter servido indiretamente aos interesses destes grupos reacionários.
[1] SKIDMORE, Thomas: Brasil: de Getúlio a Castelo (1930-1964). Paz e Terra, São Paulo, 1982
[2] MOURÃO FILHO, Olympio. Memórias: A Verdade de um Revolucionário. L&PM Editores. Porto Alegre. 1978
[3] Idem (grifo meu)
[4] MOURÃO FILHO, Olympio. Memórias: A Verdade de um Revolucionário. L&PM Editores. Porto Alegre. 1978
[5] Idem.
[6] Idem.