Nos últimos anos, os historiadores têm debatido bastante a respeito dos rumos da sua disciplina, por conta do avanço de novos paradigmas,...
Nos últimos anos, os historiadores têm debatido bastante a respeito dos rumos da sua disciplina, por conta do avanço de novos paradigmas, que propõem posturas radicais de reformas e revisionismos. Nem todos embarcam nesta onda, felizmente.
O mundo contemporâneo nos últimos anos tem apresentado características tão singulares, de natureza cultural, política e econômica, que muitos teóricos, filósofos e historiadores chegam a pensar se esse movimento não representaria uma espécie de ruptura com a modernidade, até então consagrada desde a vitória no ocidente do projeto Iluminista. Estaríamos, portanto, experimentando uma época de mudanças e de transições, em que os pressupostos que até aqui vêm sustendando a nossa civilização - a primazia da razão, da ciência e dos Estados nacionais, por exemplo - estariam sendo gradativamente substituídos por um novo modelo: o paradigma pós-moderno.
É o que sustenta o professor da Unicamp José Camilo dos Santos Filho, no capítulo que escreve no livro Escola e Universidade na Pós-Modernidade. Destaca a Universidade de Campinas como pioneira no Brasil na adoção das novas propostas em seus currículos e faz um balanço da trajetória das universidades desde o seu nascimento ao longo de três fases que ele descreve como pré-moderna, moderna e pós-moderna (não pretendo desmiuçar aqui os conceitos de modernidade e pós-modernidade. Acredito que ficarão esclarecidos em alguns dos seus aspectos mais adiante, na análise dos 11 pontos sugeridos pelo autor). Em conclusão, afirma que as universidades têm o desafio de se enquadrar no novo paradigma, adotando posturas e conceitos atuais e abandonando tipos de explicação supostamente superados. Neste trabalho, mostra 11 críticas pontuais à modernidade, e propõe uma nova postura frente a esse modelo. Pretendo analisar esses pontos destacados pelo autor. Mas antes já devo deixar claro que sou profundamente crítico do que os estudiosos vem chamando de pós-modernidade e de sua influência perniciosa na historiografia.
É perfeitamente claro que a modernidade da qual somos herdeiros apresenta falhas e injustiças históricas ao longo de seu processo que, no entanto, vem sendo corrigidas naturalmente. a questão aqui não é a "doença" em si, e sim o "remédio". Vamos aos pontos:
Presença ou necessidade de sistemas abertos
De acordo com o texto, a proposta moderna "tende a conceber sistemas fechados". O paradigma pós-moderno defende, portanto, maior interação entre os sistemas, através da interdisciplinaridade.
Ora, a Escola dos Annales já desde a década de 30 defende e trabalha com a interdisciplinaridade das ciências para o maior aprimoramento do conhecimento em diversas áreas, sendo esta escola, de acordo com Ciro Flamarion Cardoso, uma das propostas da corrente adversária da pós-modernidade, que ele chama de Iluminista. Desta forma, não há nenhum pioneirismo na saudável proposta de interdisciplinaridade entre os sistemas. Realmente, para uma melhor sistematização do saber, as ciências foram setorizadas; mas o que de fato impede a contribuição mútua entre as disciplinas e a interação entre elas é a vaidade e o orgulho pessoal de alguns pesquisadores e não o sistema em si. O próprio marxismo - outro dos modelos da historiografia que faz parte do paradigma Iluminista e que vem sendo preferencialmente criticado pelos novos arautos da história - prima pela interação entre os seus adeptos nas áreas de economia, filosofia, sociologia ou história;
O princípio da Indeterminação da ciência
A ciência moderna seria caracterizada pelo "princípio da determinação especialmente no Universo, na natureza e até mesmo extrapola essa suposição para o universo social e humano".
Sem dúvida, as críticas pós-modernas partem das relativamente recentes descobertas da física quântica, onde prevalece a desordem, a indeterminação e o caos. De acordo com José Camilo, "a velha dicotomia entre as ciências naturais e cências sociais e humanas será superada sob a égide das ciências sociais".
Não sendo especialista em astrofísica (uma de minhas frustrações), considero muito difícil olhar para certos aspectos e eventos do espaço e não encontrar ali alguma regularidade, como as órbitas dos planetas, dos satélites e o retorno previsível de cometas como o Halley a cada 76 anos. Mas vamos trazer essa discussão para o chão firme e o terreno mais seguro da historiografia e das ciências.
Sobre a frase de José Camilo destacada acima, é caso de se perguntar como a ciência na nova concepção perde o seu trono e sua legitimidade em favor de outros saberes, sejam eles quais forem, e ainda assim se propõe um saber "sob a égide das ciências sociais".
Logicamente, a se defender a nova proposta, esse paradoxo é inconcebível, já que este novo saber não pode ser mais legítimo do que os outros saberes, inclusive a ciência moderna;
A descrença nas metanarrativas
A nova proposta descarta teorias abrangentes e universais, por exemplo explicações gerais como a Teoria da Evolução.
Talvez essa seja uma das propostas mais perniciosas e perigosas para o conhecimento humano, pois simplesmente decreta o fim da ciência tal como a conhecemos. A ciência propõe explicações universalistas, devidamente testadas empiricamente e comprovadas. Através deste modelo sabemos, por exemplo, que a Terra gira ao redor do Sol e não o contrário, como se acreditava; que a gravidade puxa todas as coisas para o centro do planeta; que toda ação gera uma reação, etc. A partir de agora, de acordo com a nova proposta de relativização, a ciência tem tanta legitimidade quanto a religião, a astrologia ou o senso comum para explicar as verdades do mundo. Na historiografia, propostas como a negação do Holocausto devem ser respeitadas como mais uma explicação dentre tantas outras, e a explicação acadêmica, rigorosa e técnica não tem mais valor que qualquer outra.
É difícil imaginar que o Vaticano, por exemplo, abra mão de suas propostas em favor de outras contrárias as suas, como por exemplo aquelas que defendem o sexo sem fins de procriação e o aborto. Certo ou errado, defende suas propostas e ninguém aqui acha que estão mais certas ou mais erradas que outras. O problema é que a ciência, de acordo com os defensores do novo paradigma, deve, ela sim, se retirar por livre e espontânea vontade, envergonhada de si, do cenário, admitindo que não tem capacidade de propor conhecimento legítimo. Se José Camilo estiver certo, então devêssemos defender o relativismo a fim de "abraçar os novos tempos", e o conhecimento simplesmente perderia a sua razão de existência.
O domínio da mídia na representação do mundo
- "na pós-modernidade, está ocorrendo a substituição do livro impresso pela tela de TV"
- "o ensino pelos professores ainda será necessário, mas será reduzido a ensinar os estudantes a usarem os terminais";
- "Lyotard está anunciando a morte do professor"
Estes pequenos excertos do livro nos mostram o tamanho da gravidade do problema. Hoje as pessoas são bombardeadas por milhares de informações diárias por diversos veículos, de modo que podemos dizer que este caminhão de notícias pouca utilidade pode produzir. No máximo, confundir, diluir algo de importante no meio de um oceano de inutilidades desnecessárias para uma boa formação e informação.
Sabemos que a mídia, de modo geral, faz parte de um processo ideológico, e defender a sua representação de mundo de forma acrítica não pode ser algo positivo. Neste contexto, o professor - apesar dele próprio estar inserido em um sistema, em uma ideologia, mas que, se foi bem formado e está bem intencionado, terá conciência desta situação e saberá combater as suas subjetividades - é e sempre será importante na formação intelectual crítica dos cidadãos. Podemos nos dar ao luxo de consumir todos os tipos de informação, mas para que não sejamos contaminados com falsas ideias ou informação tendenciosa, devemos ter consciência do que estamos absorvendo.
Esta situação se articula com a nova proposta do paradigma pós-moderno apontada por José Camilo:
A explosão da informação e o concomitante crescimento das tecnologias da informação
Por um lado, é inegável o benefício produzido pelas novas tecnologias, democratizando o acesso à informação; mas como foi dito antes, sem uma mediação essa explosão pode ter efeito nenhum, já que não se saberia como aproveitar e absorver todo o potencial de conhecimento das novas tecnologias. A situação curiosa, é que o Brasil está longe de ser um exemplo de nação de letrados, e já estamos querendo pular uma etapa muito importante, para defendermos uma educação digital. Isso num país onde existe uma parcela colossal de milhões de excuídos digitais...
[continua no próximo post...]