A religião sempre teve um papel controlador em todas as sociedades. Abre-se mão de autonomia e do livre-pensar em favor de uma autoridade te...
A religião sempre teve um papel controlador em todas as sociedades. Abre-se mão de autonomia e do livre-pensar em favor de uma autoridade terrena que supostamente falaria em nome de um ser celestial. Em troca da obediência incondicional nesta vida, viria a recompensa na outra, a vida após a morte – apesar de nunca ter havido a menor evidência disso em séculos de prática religiosa.
Com o advento da Revolução Científica, fenômeno que se deu no Ocidente após o Renascimento em diversos campos do saber, a autoridade religiosa se viu confrontada com um paradigma mais confiável e eficiente: a ciência poderia explicar mais e explicar melhor os fenômenos naturais, curar as doenças, desenvolver o crescimento humano, etc.
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Uma das áreas que mais sofreram uma mudança radical foi a prática médica: se antes os religiosos trataram o corpo e a medicina com tabu e ignorância, começou a haver uma maior consciência de que a medicina realmente podia salvar vidas, muito mais do que as procissões medievais ou as preces a uma divindade celestial.
Hoje em dia a maioria esmagadora dos religiosos já reconhece que a medicina salva mais do que a fé, e nos primeiros sintomas de uma doença, correm para um hospital e não para um templo religioso.
Menos as Testemunhas de Jeová. Estes ainda estão parados na época em que os religiosos tomavam a Bíblia ao pé da letra, como verdade incondicional, por falta de algo melhor – pelo menos em relação aos tabus envolvendo sangue.
Dias atrás, uma polêmica decisão judicial do Superior Tribunal de Justiça gerou surpresa e abriu um perigoso precedente. O caso de morte de uma menina de 13 anos em 1993 ocorrida numa família Testemunha de Jeová pela recusa dos pais em permitir transfusão de sangue, interdição que interpretam estar contida na Bíblia (Gênesis 9:4; Levítico 17:10; Deuteronômio 12:23; Atos 15:28, 29) foi julgado essa semana depois de anos se arrastando na Justiça. Os ministros da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Maria Thereza de Assis Moura e Sebastião Reis Júnior decidiram que as convicções religiosas que impedem o socorro médico adequado a pessoas com problemas de saúde não é crime. Segundo Reis Júnior, a conduta dos pais foi “atípica” e não criminosa*.
Uma coisa é preciso ser dita: os adeptos da seita Testemunhas de Jeová levam a sua fé a sério. Podemos até discordar de suas decisões, mas eles seguem o que está escrito e determinado em suas religiões, então neste aspecto eles têm uma espécie de coerência, de honestidade intelectual, a ponto da mãe da menina ter afirmado que preferia ver a filha morta do que receber transfusão de sangue. São verdadeiros religiosos (apesar disso, a Justiça não deveria levar esse mérito em conta na hora de julgar uma morte que foi diretamente causada pelo dogma).
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A maioria dos outros religiosos moderaram e relativizaram suas crenças. Hoje em dia eles se sentem confortáveis com a hipocrisia de terem tratamento médico e agradecerem a deus pela cura. É mais cômodo. Um arranjo para ter a desculpa do tratamento médico sem suscitar questionamentos em relação à firmeza de suas fés. Um dia, se estiverem certos em relação a suas crenças, terão umas explicações a dar no “tribunal celestial”…
Então o que se pode dizer é: ainda bem que a grande maioria dos religiosos não é muito empenhada em ir pro céu, pois preferem viver mais a seguir à risca os mandamentos e os dogmas religiosos que dizem professar...
*JusBrasil