Charles Miller foi o introdutor do futebol no Brasil, correto? Bem, pelo menos a história oficial assim considera. O que pouca gente sabe...
Charles Miller foi o introdutor do futebol no Brasil, correto? Bem, pelo menos a história oficial assim considera. O que pouca gente sabe, é que um ano antes, no simpático bairro suburbano carioca de Bangu, o esporte já era bastante praticado, trazido por ingleses que vieram trabalhar na então recém-inaugurada fábrica de tecidos da região. Esta é apenas umas das glórias esquecidas ligadas ao Bangu Atlético Clube, que também teve o primeiro atleta negro como jogador, feito que é erroneamente atribuÃdo ao Vasco da Gama. Vamos resgatar um pouco mais desta bonita e pouco divulgada história.
Bangu era um distante bairro da então capital federal, onde o desenvolvimento ainda não tinha chegado. Foi nessa região que uma companhia inglesa de tecidos resolveu instalar a sua fábrica no final do século XIX. A Fábrica Bangu, mais tarde se tornaria uma referência para o bairro.
Para trabalhar nas suas instalações, vieram muitos imigrantes europeus que chegaram no final de 1892 e em 1893, dentre os quais, obviamente, muitos britânicos. Um destes era um apaixonado pelo então recente esporte chamado futebol, Thomas Donohoe (foto à esquerda), técnico em maquinaria escocês que veio ajudar a montar os equipamentos na fábrica. Chegando ao Brasil, Donohoe ficou desapontado, pois pensava que o esporte bretão já estava plenamente desenvolvido. Como os brasileiros ainda não tinham conhecimento do futebol, ele teve que deixar sua paixão de lado por um momento.
Mas Donohoe, esportista nato de quase dois metros de altura, sentia muita falta do futebol. Até que em 1894, de tanto insistir, conseguiu que a Fábrica o enviasse à Inglaterra. Na volta, trouxe na bagagem uma bola de couro (a primeira do Brasil), uma bomba de encher e algumas chuteiras. Convidou amigos ingleses da fábrica para uma partida no próximo domingo de folga. Depois de chamar os amigos de casa em casa e fincar 4 estacas em cada lado de um campo de várzea (que serviriam de balizas) foi realizada a primeira partida de futebol no Brasil. Após esse evento, todos os fins de semana praticava-se futebol em Bangu, e aos poucos os operários brasileiros da fábrica foram tomando gosto pelo esporte bretão. Thomas Donohoe (chamado pelos brasileiros de “seu Danau”) seria então o introdutor do esporte no Brasil, e Bangu a primeira região do paÃs onde o esporte que hoje é paixão nacional foi praticado.
Entretanto, esta glória é atribuÃda a Charles Miller. Podemos compreender as razões. Charles Miller é paulista, nascido no bairro do Brás, em um Estado forte politica e economicamente. Donohoe é estrangeiro, e praticou o futebol como lazer no longÃnquo bairro da Zona Oeste carioca, sem se preocupar em registrar seu feito para a posteridade. É mais interessante atribuir o nascimento do futebol no Brasil a um brasileiro. Além do mais, nem na própria cidade do Rio o mérito de Donohoe é reconhecido. Atribui-se a Oscar Cox a primeira bola de futebol trazida para a cidade (três anos depois do “seu Danau”, em 1897). Enquanto Cox desfilava com sua bola pela zona sul da cidade como um troféu, na zona oeste o futebol já rolava solto pelos campos de várzea de Bangu. Com o passar do tempo, o futebol foi tão bem sucedido na região, que ingleses e brasileiros acabaram fundando em 17 de abril de 1904 o Bangu Atlético Clube, simpático time de futebol da zona oeste, que dentre seus grandes feitos históricos, tem o registro do primeiro jogador negro da história do Brasil, mérito mais uma vez usurpado pela história oficial, atribuÃdo ao Clube de Regatas Vasco da Gama.
Time do Bangu Campeão Carioca de 1966
Se quisermos fazer jus aos fatos, devemos reconhecer que o futebol brasileiro nasceu na zona oeste do Rio de Janeiro, no distante bairro de Bangu, trazido por imigrantes europeus e que logo caiu nas graças dos brasileiros. Felizmente a história é uma disciplina dinâmica, capaz de resgatar fatos históricos esquecidos ou apagados do registro oficial, e no meu modo de ver, é o caso que deve ser feito em questão. Quem sabe finalmente os moradores do bairro tenham o reconhecimento histórico, que fará muito bem para a estima de uma região conhecida nacionalmente somente pelos seus complexos de presÃdios.
Fonte:
Livro Nós é que somos banguenses, por Carlos Molinari, 2004, acessado em http://www.bangu.net/informacao/livros/nosequesomosbanguenses/1889a1903.php