Essa semana, físicos do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern, na sigla em francês) anunciaram estar cada vez mais próximos de encon...
anunciaram estar cada vez mais próximos de encontrar a partícula que, por enquanto, só existe na teoria. Os cientistas estão confiantes em anunciar a descoberta do “Bóson de Higgs” no ano que vem, embora não existam dados concretos que possam assegurar a sua existência. Mas o que chama a atenção, dentro do contexto da velha disputa “ciência versus religião”, é que essa partícula, batizada em homenagem ao físico inglês Peter Higgs, um dos que incluíram a teoria da partícula no Modelo Geral da física em 1964, é também conhecida como “Partícula de Deus”. Por quê?
Essa semana, físicos do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern, na sigla em francês) Quem lançou a moda sem querer foi o editor do físico Leon Lederman que em 1993 escreveu o livro "A Partícula de Deus: Se o Universo é a resposta, qual é a pergunta?" (imagem ao lado). Tal título, sugerido pelo editor provavelmente para alavancar as vendas e adotado pelo autor, passou a ser usado maliciosamente pelos meios de comunicação para se referir ao Bóson de Higgs, como veremos. É um prato cheio para confusões e tentativas de fraudar a ciência com interpolações religiosas. Richard Dawkins [1] já alertava que os cientistas como Lederman deveriam parar de usar “deus” de uma maneira inespecífica, metafórica, não religiosa, porque induz ao erro e confunde a cabeça de muitas pessoas, que acreditam se tratar do deus bíblico de suas religiões. Para essas pessoas, “deus” implica “sobrenatural”, e a ciência não lida com esse tipo de coisa.
Carl Sagan, um dos maiores astrônomos e grande divulgador da ciência, disse uma vez de forma irônica: “[...] se por ‘Deus’ se quer dizer o conjunto de leis físicas que governam o universo, então é claro que esse Deus existe. É um Deus emocionalmente insatisfatório [pois] não faz muito sentido rezar para a lei da gravidade”. Outro que causou confusão foi Albert Einstein, por conta da forma como mencionava deus em seus trabalhos, mas a tentativa dos religiosos de reivindicarem Einstein para o seu time já foi devidamente desconstruída aqui no Rama.
De onde veio o nome Partícula de Deus?
De acordo com o National Post, Leon Lederman, que caiu em desgraça entre seus colegas físicos, inicialmente queria batizar seu livro como The Goddamn Particle (A Partícula Maldita) porque a partícula de Higgs é a mais complicada e desafiadora de todas as partículas subatômicas, a única peça do quebra-cabeça que ainda falta ser encontrada para formar o Modelo Geral, teoria que visa explicar os componentes fundamentais do Universo. Mas seu editor achou que esse nome poderia irritar alguns religiosos americanos, então sugeriu como alternativa o nome “Partícula de Deus” — que foi aceito por Lederman e desde então vem irritando muitos cientistas.
"Nós não chamamos o Bóson de Higgs de ‘Partícula de Deus’, é só a mídia que faz isso", disse um cientista sênior dos EUA educadamente a um entrevistador em uma estação de rádio europeia nessa terça-feira. "Bem, eu sou da mídia e eu vou continuar chamando", disse o jornalista — e continuou a fazê-lo mesmo. A canadense Pauline Gagnon, membro de um dos grupos responsáveis por “caçar” a partícula no Cern, afirma que é “ridículo chamarem-na dessa forma”.
De fato, o Bóson de Higgs não é dotado de nenhum significado religioso. O editor de Leon Lederman lançou a moda involuntariamente, e muitos embarcaram, inclusive o próprio autor. Grande número de pessoas — leitores de Dan Brown ou não — pensam que os pesquisadores do Cern estão trabalhando em algum tipo de ciência mística que busca encontrar uma forma de conciliar ciência e religião. Não podem estar mais enganados. De acordo com Peter Higgs, hoje com 82 anos (imagem à esquerda), por conta da controvérsia, “Leon Lederman tem muito o que responder”, ironizando o título escolhido por seu livro.
[1] DAWKINS, Richard. Deus, um delírio. Companhia das Letras. São Paulo, 2009.