Quando começou a escrita? Tradicionalmente ela teria começado na Mesopotâmia por volta de 3500 AEC (Antes da Era Comum, ou Antes de Cristo,...
Quando começou a escrita? Tradicionalmente ela teria começado na Mesopotâmia por volta de 3500 AEC (Antes da Era Comum, ou Antes de Cristo, se preferir) e com ela, começou a História. Tudo o que veio antes é Pré-História, geralmente considerada como primitivo, atrasado ou grotesco. Isso na cabeça de certos especialistas. Mas como explicar, nessa linha, a Biblioteca de Glozel, encontrada na França na primeira parte do século XX, e que pode ser datada do perÃodo neolÃtico?
Existem certas descobertas arqueológicas que talvez fosse melhor — segundo alguns arqueólogos — que não tivessem sido encontradas. Isso porque elas, simplesmente, desarranjam todo o quadro temporal linear adotado desde que as áreas como História e Arqueologia ganharam o status de disciplina acadêmica. Desde então a história do homem é vista como uma escalada de progresso e desenvolvimento do estágio mais primitivo ao estágio mais civilizado da humanidade. EstarÃamos, pois, sempre numa ascendente de progresso.
Apesar de, desde a ascensão da linha francesa dos Annales — crÃtica do Positivismo — essa corrente linear ser contestada, ainda hoje, especialmente nas escolas, ela é bastante utilizada. Mas aà é que surge o problema: se estamos sempre numa linha ascendente de desenvolvimento, como explicar que, vez ou outra, apareçam indÃcios de que existiram artefatos, literatura ou monumentos tecnologicamente avançados demais para a época em que foram encontrados? Esses achados, conhecidos nos meios não-acadêmicos como “Artefatos Fora de Lugar” (OOPArts: Out of Place Artifacts, como vimos aqui) são o pesadelo de arqueólogos e historiadores da linha positivista e por isso, seria melhor que não existissem. Como o caso da Biblioteca de Glozel, por exemplo.
Situado ao sul da cidade francesa de Vichy, em Glozel foram encontradas, entre 1924 e 1930, perto de 3 mil artefatos, incluindo ladrilhos, tábuas gravadas, duas facas, dois machadinhos e dois pedaços de rochas com inscrições. Seus achados renderam controvérsias dignas de um filme.
Descobertos em 1924 por Emile Fradin e seu avô, Claude Fradin, quando ambos encontraram uma câmara subterrânea em seu sÃtio, a princÃpio apenas alguns ossos humanos e fragmentos de cerâmica foram encontrados. Especialistas dataram os achados do perÃodo Galo-Romano, por volta de 100-400 EC. Mas a publicação do achado chamou a atenção de Antonin Morlet, fÃsico e arqueólogo amador, que ofereceu 200 francos à famÃlia Fradin para que lhe fosse permitido escavar no local. Morlet começou suas escavações em 24 de maio de 1925, descobrindo tabletes, Ãdolos, ossos, ferramentas de sÃlex e pedras gravadas com inscrições, que datou do perÃodo neolÃtico, por volta de 7.000 AEC. Lançou assim, uma grande controvérsia no meio arqueológico, com o relatório intitulado Nouvelle Station Néolithique publicado em setembro de 1925, com Émile Fradin listado como co-autor. Isso foi um pouco demais para as cabeças coroadas da arqueologia da época. Um arqueólogo amador e um camponês dizendo que a escrita e a história na verdade já existiam em 7000 AEC?
Glozel foi então ridicularizada e atacada como fraude. Havia uma trindade reinante na época, considerada a "dona" da Pré-História. Esta trindade compunha uma firma e era formada por Capitain, doutor em Belas Artes, Padre Abbé Breuil, considerado autoridade no assunto e Peyroni, o conservador do Museu das Eyzies. Os três foram apanhados "com as calças nas mãos" pela descoberta dos Fradin que tumultuava, terrivelmente, as suas teses sobre a Pré-História.
Com o passar dos anos, mais artefatos foram encontrados, e mais controvérsia foi gerada. Muitos arqueólogos profissionais e reconhecidos autenticaram os achados, confirmando sua origem neolÃtica, como Salomon Reinach, curador do Museu Nacional de Saint-Germain-en-Laye, enquanto outros, ainda que maravilhados, os tenham rejeitado como fraudes, como o próprio Abbé Breuil . Na datação cientÃfica, não há um consenso, quando algumas peças do mesmo sÃtio são datadas entre 300 AEC e 300 EC, enquanto outras são datadas do século XV. A mesma controvérsia gira em torno do alfabeto de Glozel. Os cerca de 100 tabletes de cerâmica contêm caracteres que especialistas já identificaram como basco, caldeu, eteocretense, hebraico, ibérico, latino, berber, ligúrio, fenÃcio e turco, ou seja, ninguém sabe a origem, além de não terem conseguido decifrá-los.
A Biblioteca de Glozel permanece, assim, na espera de ser compreendida e solucionada, sem que a vaidade de especialistas nem a crença de pesquisadores nada imparciais possa interferir na explicação de uma das mais misteriosas heranças culturais da humanidade.