Em qualquer discussão um pouco mais acalorada sobre ciência e religião, especialmente na internet, o provável desfecho é o cético sempre ser...
Em qualquer discussão um pouco mais acalorada sobre ciência e religião, especialmente na internet, o provável desfecho é o cético sempre ser acusado de alguma coisa, especialmente de “sabichão”, “metido a ter respostas pra tudo”, “arrogante”, e coisas do tipo. Acontece que uma pequena análise do tipo de conhecimento que envolve os adeptos da ciência e da religião, ou seja, aqueles que defendem a verdade científica versus a verdade revelada, respectivamente, mostra que muitas vezes é o religioso, e não o cético, que tem as certezas sobre tudo.
Vejamos: para um religioso – vamos considerar aqui o tipo que estamos mais familiarizados, o cristão – certos temas não permitem dúvidas. Deus existe, ponto. Ele criou o Universo e a Terra, ponto. Também criou os homens, cujo dever é adorá-lo, e incumbiu seu filho Jesus a ensiná-los sobre o comportamento adequado que leva ao Paraíso, a finalidade e razão da existência humana. E tudo isso está determinado pelo livro sagrado, com ensinamentos eternos (estáticos) e universais para toda a humanidade.
Para um cético, a coisa é bem diferente. Todo o arcabouço do seu conhecimento é baseado em muitas leituras diferentes, em descobertas e pesquisas baseadas em testes, comparações e experiências, em confrontos de hipóteses, até que ele possa criar uma opinião sobre qualquer assunto. E ele sabe que elas não são verdades perenes e imutáveis. No caso do surgimento do Universo, por exemplo, não existe uma explicação definitiva, ainda: existe uma teoria consagrada, a do Big Bang, e outras que pretendem complementá-la ou oferecer novas perspectivas. Cabe a ele raciocinar sobre todos esses elementos e definir a melhor explicação. Pois assim é a ciência, um conhecimento dinâmico construído bloco a bloco, como um muro de tijolo, e não como uma construção acabada que surgiu do nada. Além disso, o cético verdadeiro tem a humildade de dizer que não tem a menor ideia da função do homem e da vida, nem do propósito deste Universo – o religioso acha que já sabe. A função daquele que não tem certezas é continuar fazendo as perguntas e buscar as melhores respostas, sabendo que qualquer dia elas podem ser substituídas por outras melhores. Existe postura mais humilde do que esta?
Está claro que toda vez que um cético é acusado de arrogância num debate, este é apenas o artifício encontrado por aqueles que se agarram em suas certezas e não sabem lidar com questionamentos acerca deles. É um recurso muito utilizado quando se pretende desviar o foco do assunto, atacando quem propõe ideias e questionamentos que desagradam, e não as próprias ideias em si. A Retórica há muito tempo já identificou este subterfúgio e batizou-o como Argumentum ad hominen. O mais irônico de tudo, é que muitas vezes seus utilizadores nem sequer têm consciência de que o fazem. A única coisa que eles sabem é que precisam desviar o foco do assunto, porque não têm como defender suas opiniões.
Portanto, numa próxima discussão em que você esteja atacando não a ideia, mas a pessoa, saiba que você está sendo desonesto com seu interlocutor e consigo mesmo. Se uma ideia, opinião ou filosofia de vida não pode ser sustentada e defendida com bons argumentos, então ela não pode servir pra nada. O problema é: você tem coragem de admitir isso e mudar? Ou prefere atacar quem critica as suas incoerências?