Historiadores são profissionais que gozam há muito tempo de certo prestígio em países mais desenvolvidos. Nesses tempos cada vez mais aceler...
Historiadores são profissionais que gozam há muito tempo de certo prestígio em países mais desenvolvidos. Nesses tempos cada vez mais acelerados e incertos, onde as pessoas facilmente se esquecem da onde vem e pra onde vão, eles são os intérpretes chamados para colocar as coisas nos seus devidos lugares. Infelizmente, esses profissionais não têm o mesmo status em se tratando de Brasil. Mas também teriam muito a ensinar.
Mesmo no nosso caso, em que falta o reconhecimento, o historiador pode ao menos contar com uma satisfação pessoal: por pesquisar as diversas sociedades no espaço e no tempo, ele tem consciência de que, assim como os demais contemporâneos seus, é fruto de sua época. Ele tem as suas ideias, as suas opiniões, seu comportamento e seus gostos fortemente influenciados pela cultura e pela sociedade em que vive, naquilo que alguns historiadores alemães chamavam de Zeitgeist, ou “o espírito de uma época”. O historiador sabe que se ele vivesse em outro tempo, em outra cultura, suas convicções seriam um tanto diferentes. E por ter essa consciência, ele tem uma vantagem sobre as demais pessoas: ele pode tentar superar essa influência, imaginar como seria se ele pudesse ver a sua sociedade de fora, como um cientista que olha seu objeto de pesquisa no microscópio. E o que ele percebe olhando para seu próprio tempo, é que muitas das ideias, instituições e situações que a grande maioria das pessoas vê como naturais, por estarem intimamente mergulhadas na realidade a ponto de não entendê-las, na verdade é uma conjuntura histórica, uma construção, algo que foi criado e que por diversas razões, passou a ser dominante. Duas dessas circunstâncias do nosso tempo são a religião e o capitalismo.
Seria complexo demais falar sobre estes dois importantes sistemas em poucas linhas, mas de forma sucinta, o que nos interessa não é a religião e o sistema econômico em si, mas só fato de que as pessoas pensam que eles são naturais, que sempre houve deus e dinheiro, que essa é a única forma de viver, e as coisas sempre foram assim. Esse que é o grande problema.
Quando o sistema começa a entrar em crise, como assistimos agora com os estragos incríveis provocados no planeta em diversos setores, temos dificuldade de propor respostas, porque não conhecemos alternativas. Tudo no que pensamos são em “reformas” — as religiões estão cheias delas — e não em superação. Falamos hoje em “capitalismo verde”, um paradoxo tão absurdo quanto “estupro à luz de velas”.
Penso que só poderemos sair dessa apatia ante o colapso econômico do mundo e o irracionalismo humano quando, tal como os historiadores, formos conscientes do nosso tempo histórico. Quando aprendermos que nada é natural, que nada está aí pra sempre, que tudo pode ser mudado com vontade, por pior que seja, aí estaremos aptos a pegar nosso destino pelas mãos. Parece que algumas lições da história foram esquecidas e precisam ser reaprendidas.