Deus tem culpa pela violência praticada em seu nome?

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“Não podemos culpar a deus pelos erros dos homens”. Esse é o argumento levantado por pessoas que acreditam em deus, seguem alguma religião – ou apenas acreditam em deus – mas não concordam com algumas atitudes e comentários dos seus correligionários mais fervorosos. Até o Papa recentemente afirmou que “violência ‘em nome de Deus’ não é culpa da religião”. Esse argumento sempre me causou muita estranheza, porque me parece que não faz nenhum sentido.

 

Uma situação muito semelhante pode ser percebida com os defensores das armas de fogo: “Não se pode culpar a arma em si, e sim quem puxa o gatilho”. À primeira vista, essa frase tem coerência, afinal a arma não atira sozinha, é preciso que exista o atirador.

 

Se não existissem armas de fogo, ainda assim existiriam pessoas violentas, de fato, porém a tarefa do agressor seria um pouco menos facilitada. E é essa analogia que eu penso ser perfeita para a violência em nome de deus ou da religião. Se eles não existissem, ainda assim existiriam pessoas agressivas, intolerantes ou preconceituosas, mas elas não teriam a justificativa moral que deus e a religião lhes dão para seus crimes e preconceitos. Irlandeses teagues católicos não viveriam em clima de animosidade com seus compatriotas prods protestantes; muçulmanos não teriam tido razão para fazer uma sangrenta Jihad em nome de Alá; croatas católicos romanos não teriam razão para exterminar judeus e sérvios cristãos ortodoxos na antiga Iugoslávia, carregando imagens de Nossa Senhora coladas nas coronhas dos rifles com o apoio do Vaticano nos anos 40; e nos anos 90, na mesma região, os sérvios não teriam tentado dizimar a população de Sarajevo, majoritariamente muçulmana, no que chamaram de “limpeza étnica” – quando na verdade “limpeza religiosa” estaria bem mais próxima da verdade.

 

Brasil, um país tolerante?

 

O Brasil é conhecido por sua suposta tolerância religiosa, mas isso só acontece porque a supremacia da cristandade é tão grande que dá até para os cristãos conviverem (tolerarem) com as minorias espíritas, muçulmanas, judias e umbandistas. Mas se houvesse um verdadeiro equilíbrio e consequentemente uma disputa pela hegemonia religiosa, como ameaça acontecer em breve com o crescimento das seitas neopentecostais, a violência e a intolerância floresceriam exatamente como seria de se esperar. Na falta de um verdadeiro rival de peso, os cristãos brasileiros voltam suas baterias contra as mulheres e os homossexuais, usando a Bíblia – a “Palavra de Deus”, assim como os muçulmanos fazem com o Corão – como arma.

 

Portanto, não podemos dizer que o mau comportamento dos religiosos esteja totalmente apartado da doutrina religiosa e de deus. Muito pelo contrário. As religiões monoteístas tem uma aura de moralidade e retidão, mas às vezes para manter essa ortodoxia é preciso apelar para a intolerância, para o desrespeito, o ódio, para falta de consideração ao outro e para o preconceito. E daí para a violência, é apenas um passo, como cansamos de ver.

 

Deus, uma criação humana

Dizem que “religião é coisa dos homens, e os homens são falhos”. Mas espera aí, até que se prove o contrário, deus também é coisa dos homens! Até hoje nenhum dos milhares de deuses vieram se manifestar diretamente para nos dizer como eles são ou como gostariam que a humanidade agisse, e até por isso mesmo toda a violência que existe em nome da religião é justamente para tentar impor aquilo que as pessoas acham que seu deus seja ou que seu deus queira para toda a humanidade. Portanto, fora da religião (da ortodoxia) ele não faz o menor sentido, pois cada um teria a sua própria ideia singular de deus e seriam tantas concepções diferentes que seria impossível dar a ele alguma definição. Pra isso serve a doutrina religiosa, e por mais que você diga que não segue nenhuma religião, se você acredita em deus, provavelmente o seu deus tem algo de católico, protestante, wiccano, umbandista, de alguma religião próxima a você ou um pouco de todas elas. Se você não apoia a violência em nome da religião, é tolerante com outras crenças, não vê o homossexualismo como doença e desconfia que o aborto seja um direito, é exatamente porque você não segue a ortodoxia com muita eficiência e está tirando os pés da religião e a meio-caminho do humanismo secular.

 

Tire deus e religião do cenário, e essas pessoas terão muito menos motivos para brigar e se matar uns aos outros. Portanto, a violência em nome de deus é exatamente isso: violência em nome de deus.